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19)A TRANSFORMAÇAO PESSOAL
19)A TRANSFORMAÇAO PESSOAL

(1) Decide escrever esta fase da minha vida separada da anterior, talvez porque vá chorar, emocionar-me, revoltar-me, Por estas razões e também para que consiga explicar esta aprendizagem de valores e de sentimentos, seja mais fácil para mim e para a vossa compreensão fazer esta separação.

“...Iria de urgência para o Hospital D. Estefânia em estado grave.”

 

Tudo começou num Domingo à noite. O meu filho mais novo tinha apenas 3 anos. Começou com febre e na segunda-feira fui com ele ao Hospital de Santarém, onde fui muito mal atendido por uma médica que, no meu entender de mãe e cidadã, deveria ter tirado o curso de veterinária. O meu filho com febre e eu muito aflita e a médica a despachar o menino à pressa e com muita arrogância.

a entrada das urgencias na altura

A muito custo referiu que o Leonardo teria uma suposta constipação, mas não acreditei lá muito, porque se nós mães não soubermos ver quando o nosso filho está constipado, não sabemos nada de maternidade. A médica, indignada comigo por a ter chamado à razão relativo à constipação e de ter dado a minha opinião, disse, com duas pedras na mão:

 

 

“A senhora está a querer ensinar-me a minha profissão?”

 Eu respondi-lhe: “Não. Só estou a dizer que o Leu não está constipado e desgraçada de mim se não soubesse ver quando o meu filho esta constipado.”

 Bem, só sei que com o meu estado de nervos mandou o menino fazer um raio-X aos pulmões e indicou-me uma mancha pulmonar - como se eu percebesse muito desses exames. Depois disso, receitou medicação para a suposta constipação. Voltei para casa muito indignada com tudo aquilo. Comecei a dar a medicação ao menino, nesse mesmo dia. Na terça-feira o Leu já começou a piorar. A febre não baixava e deixou de comer e eu, cada vez mais, aflita com a situação. Na quarta-feira estava bem pior, muito pior mesmo, mas como por indicações médicas só deveria voltar ao hospital com ele passado 3 dias, se a febre não baixasse.

Então continuei a dar a medicação. O meu menino nessa quarta-feira, deixou de andar, de comer, fazer xixi e faz fezes também, mas como não sou médica, associei o não fazer xixi ao facto de não beber e o de não fazer as fezes, ao de não comer. Já apresentava olheiras e um sorriso muito amarelo. Nessa noite de quarta para quinta, já chorava de tanta aflição... Na quinta-feira de manhã, disse para o meu companheiro que já bastava ver o menino naquela situação e dirigi-me, novamente, o médico. Foi nesse dia que a minha vida mudou para mim e para o meu filho.....

 Aprendi que, por mais sofrimento que tivesse nesta vida, nada supera a dor da impotência....

E foi com o meu filho, com uma criança, que aprendi. Foi com ele que aprendi a dar tudo de mim. Foi o meu bebé que me deu uma lição de vida inesquecível para mim. Voltando atrás. Nessa quinta-feira voltei ao Hospital de Santarém. Já o meu filho não andava. Fiz a ficha e como viram a minha aflição, o meu desespero e o estado do menino nos meus braços, mandaram-me logo entrar para a tiragem. Vi o rosto de aflição das enfermeiras e com o resultado da febre chamaram logo a médica de serviço.

Então, contei o episódio que se tinha passado na segunda-feira e a médica concordou que não era uma constipação. Deu um líquido açucarado ao Leonardo para ele fazer, nem que fosse umas gotas de xixi para poderem fazer análises laboratoriais. Como as análises naquele Hospital demoram muito até saber os resultados, pedi à médica se podia ir até à casa da minha sogra, dar banho o menino que estava todo suado da febre e para eu comer alguma coisa. Eu já estava num estado de nervos acima do insuportável. Passado três horas, mais ou menos, voltei ao Hospital e mal dei entrada na sala de espera, vi a médica com uns papéis na mão, com a aflição estampada no rosto.

Ela aproximou-se de mim e disse: “Ainda bem que voltou, já estava para telefonar para o número que estava na ficha....” Fiquei tão aflita, mais ainda, que perguntei porquê.

Ela respondeu: “Entre com o menino que já falamos. Temos de repetir as análises, o resultado não pode estar bem...” Entrei com o meu filho já as lágrimas corriam e o meu coração pulava. Tinha perdido a noção de tudo. Com o meu filho nos meus braços, deitei-o numa cama e viu a ficar todo nu, a levar soro, uma mascara de oxigénio, uns autocolantes para verem as batidas cardíacas,...

soro e uma mascara de oxigénio infantil

Tudo isto a passasse e muitos médicos de volta dele sem me explicarem nada. Eu estava num canto e chorava em estado de desespero. Tinha a sensação de impotência e a perguntava, a mim mesma, porquê a mim? Os médicos ao verem o meu estado físico e psicológico só diziam:

“A mãe tem de estar calma, o seu filho precisa muito de si, talvez mais do que nunca. Mandaram-me vir a rua. Vim a rua chorar tudo e explicar ao pai o que estava acontecer. Ele entrou por ali a dentro, de rompante, para ver o que estava a acontecer. Depressa voltou para perto de mim a chorar.

 

Sou sincera nunca tinha visto um homem gritar e chorar tanto. Nos demos um abraço tão grande, lavados em lágrimas, em angustia e em dor que esquecemos os outros pais, crianças e idosos ao nosso redor. Veio um enfermeiro chamar-me e dizer que tinha chegado o resultado das análises que tinham sido repetidas. Nunca vi umas análises com resultados tão rápidos, naquele Hospital. Demorou apenas 1 horas. Entrei de rompante, a tentar esconder as lágrimas e a aflição. Entrei a tentar mostrar um sorriso ao Leonardo, porque era muito pequeno e não entendia nada do que se estava a passar à sua volta. Tinha de dar força ao menino.

Dar-lhe aquilo que não tinha, que tinha perdido. Quando cheguei perto dele não me contive e larguei-me a chorar. Em desespero até gritei, o meu filho já era só tubos. Já não sorria, não tinha o brilho no olhar, não falava,.. não fazia nada. Era só um corpo muito pequeno e magro deitado numa cama, cheio de fios. Nessa altura, percebi, porque o meu “marido” gritou tanto. A médica puxou-me por um braço e disse: “Venha. Chame o seu marido.” Quando estávamos os dois, 3 médicos saíram de perto do Leu e vieram com a médica até nós. Disseram estas palavras:

“Pais a situação é muito grave. Tenham calma. O Leu está gravemente doente.

Tem o rim parado, há 3 dias, tem fezes na urina e está a entrar em coma. Já chamei uma ambulância. Já telefonei para Lisboa para o Hospital D. Estefânia que está à espera do Leu.” “Ele vai ser bem tratado, só espero, como mãe e médica, que chegue a tempo a Lisboa...” Lavada em lágrimas. O meu marido não conseguiu falar apenas olhava para o filho, através de um vidro. Eu perguntei porquê?

“Porque infelizmente neste Hospital, e eu como médica tenho vergonha em dizê-lo, mas se não mandar o Leu para Lisboa, terei de assinar a certidão de óbito.”

 Com estas palavras deu-me a sua mão, que tremia, e deixou as lágrimas saírem. Entrei em total desespero. Aquele Hospital tinha acabado de desabar sobre mim e sobre meu filho. Não tinha o hábito de invocar Deus e os Santos, mas, em total desespero, gritei por ele e desejei ser eu a estar naquela cama, com a pior doença do Mundo. Mas não era eu, era o meu filho que ali estava. A ambulância chegou e fui para a ambulância com o meu filho. Ao passar pelo Serviço de Pediatria, vi o rosto de todas as pessoas que ali estavam como rostos de solidariedade, porque já corria pelo hospital o estado do Leu. Junto da ambulância olhei e vi o Lucas, o meu menino mais velho.

uma ambulancia de Almeirim, foi o nosso transporte

 A chorar de aflição por ver todo aquele aparato. Não foi capaz, como mãe, de lhe explicar o que estava a acontecer, apenas me agarrei a ele e pedi-lhe perdão por não ser capaz de proteger o irmão contra o sofrimento. Era uma noite de Verão. A lua estava redonda no céu e as estrelas a brilharem. Ao entrar para a ambulância vi o Leu dar um sorriso, muito forçado, ao irmão. O meu “marido” deu me um beijo e pediu para lhe dar noticias. Vi a médica a correr e a chorar, vir na nossa direcção, pedir-me para ter muita calma e desejar toda a força do mundo. Talvez, nessa altura, tenha percebido que alguns médicos daquele Hospital não são insensíveis e choram pelos outros.

Mas claro que, para mim, são apenas uma minoria. A viagem foi feita numa corrida alucinante. Os pirilampos de emergência tocaram todo o caminho. Dei-me conta do Leu fechar os olhos. O médico que ia connosco ficou apavorado e disse alguma coisa ao motorista. Sei que, depois disso, a ambulância começou a ir ainda mais depressa. Eu chorava muito, muito, porque tinha noção do que estava acontecer, apesar de não ser dita uma única palavra. Quando entramos em Lisboa, no Hospital D. Estefânia, na parte das urgências, já estavam 2 médicos à espera do Leu. Nem me dirigiram palavra, porque o prioritário era o Leu. Mudaram o menino de maca e levaram-no para os Cuidados Intensivos. Eu a ver tudo isto sem saber o que estava a acontecer.

Mandaram-me esperar num corredor de paredes branca, apenas com um cadeirão castanho. Enquanto vi o meu filho ser levado por uma porta, a dormir, todo cheio de tubos e máquinas ligadas a si. Fiquei ali sozinha, em desespero e a chorar, durante não sei quanto tempo. Apareceu uma senhora, não sei de onde, que ao ver o meu estado sentou-se perto de mim e disse:

“Tenha calma mãe.” As únicas palavras de conforto que tive foram de uma desconhecida. Estava completamente sozinha a passar por tudo aquilo, por todo aquele sofrimento, angustia, revolta e mais não sei o quê. Não tenho palavras para descrever todos os sentimentos que tive naquela altura. Entretanto vejo os médicos a saírem com o Leu pela porta já ele tinha mais fios e tubos...

Dirigiram-se à pressa para uma sala e eu atrás deles, ansiosa para saber alguma coisa. Mas parecia que eles nem me viam. Mais uma vez, fiquei do lado fora da porta. Passado, mais ou menos, 2 horas saíram com a aflição no rosto. Voltamos aos Cuidados Intensivos. Indicaram-me para calçar umas luvas brancas, uns sacos de plásticos verdes, uma bata verde, até os pés, e uma touca. Eu vesti-me e fui com a enfermeira até onde estava os médicos. Estavam os dois sentados numa secretaria com uma cara muito triste. Fizemos as apresentações e foi-me dito de uma forma muito triste, fria e cruel que o Leu estava gravemente doente e que foi induzido a um coma. Explicaram que a caso era muito grave. Talvez pouco ou nada haveria a fazer. Tudo dependia do menino.

O

Hospitad D: Estefania

os rins estavam parados e era muito grave o estado clínico. Comecei de novo a chorar. Eles pediram-me para chorar tudo ali naquela sala, porque da porta para fora não podia. Chorei, ralhei e amaldiçoei tudo e todos. Chamei por Deus. fotos Quando viram que estava mais calma levaram-me ao pé do Leu. Meu Deus, nem a acreditava no que os meus olhos estavam a ver. Entrei num quarto de paredes brancas, com alguns desenhos pintados na parede, para dar outro ânimo, ou mesmo para cortar a angústia que ali se sentia..

 

 Nesse quarto havia uma janela apenas, de persianas meio abertas, 2 camas com grandes levantadas, uma ao lado da outra e em frente à porta de vidro estavam 2 berços, um móvel com uma televisão, que nunca foi ligada, uma secretaria para os papéis dos médicos, um carrinho com utensílios de médicos e enfermeiros e um clima muito, muito pesado. Nunca tinha imaginado poder estar num sítio daqueles. Se eu já estava abalada psicologicamente, pior fiquei. Não foi talvez por ver aquele quarto e o que e ali estava, mas mais por ver o meu filho a dormir um sono profundo, ligado no braço direito, esquerdo e mãos com tubos por onde entrava medicamentos. Mais, tinha um tubo frisado na boca, agarrado por um adesivo branco, uma algália na pilinha...

o estado do leo

Foi assim, mais ou menos, que encontrei no meu filho. Já não sei se era o meu filho, ou um monte de tubos. Bem, isto tudo numa só noite. Já a noite ia muito alta, quando me deram um cadeirão preto para descansar um pouco. Esse cadeirão não dava para deitar, apenas para sentar. Foi colocado a lado da cama do Leu e eu acabei por pegar no sono a agarrar-lhe no pé. Devo ter passado pelo sono, apenas umas 2 horas. Acordei com os enfermeiros a recolherem sangue e urina ao Leu para novas análises. Entretanto, o meu “marido “ chegou e foi ver o filho. Voltou a chorar, porque não tinha assistido ao filho a piorar gradualmente, apenas lhe tinha feito um relato por telefone

 

 

A partir desse dia, foi um martírio, um sacrilégio, um desespero para mim principalmente, porque não saía dali daquele Hospital. Sei que estive, sensivelmente, umas 2 horas cá fora nos jardins do Hospital a falar com o meu marido e meu pai, à procura de algum conforto. Quando voltei para perto do meu filho, ligado a todo o equipamento, deram-me a noticia que o menino estava bem pior do que de madrugada. O Dr. António Marques referiu que seria melhor pu-lo a fazer hemodiálise. Foi nessa altura que fiquei a saber o que era a hemodiálise.

maquina de hemodialise

Ou seja, é o uso de um aparelho que serve para limpar todo o sangue do nosso corpo, substituindo os rins que são como filtros. São implantados uns cateteres, que são uns tubos de plástico, que são colocados em pontos estratégicos do corpo humano, por via de operação e anestesia local. Por um cateter sai o sangue do corpo para a máquina, que purifica e deixa o sangue mais fraco, e por outro cateter, o dito sangue filtrado, volta o corpo. Isto é um mecanismo sucessivo. catetres Então foi nesse dia que, ao Leu foram colocados os cateteres e foi ligado à máquina de hemodiálise. Não bastava já tantos fios e tubos, agora mais aquilo. Ver o sangue dele, entra e sai e eu completamente atónica. Mais, ver médicos e enfermeiros sempre cabisbaixos e de testa franzida.

 

Perguntava o que está a acontecer? Para que é esse medicamento? Mas ele está pior? O que deu o resultado das análises? hemodialise Perguntas, sem resposta...

Muitas vezes, tiveram apenas um sorriso muito amarelo, um sorriso forçado. E eu a ver o Leu a piorar dia a dia, hora a hora. Eu chorava, gritava, barafustava!!! O pouco que sai do lado dele era apenas para almoçar ou jantar, e era quando comia. O meu “marido” apenas ia a Lisboa dia sim, dia não, porque tinha ao seu cuidado o nosso filho mais velho e também tinha de trabalhar. Ouve um dia, que vi realmente o que eram os Cuidados Intensivos do Hospital D. Estefânia. No quarto do Leu, num dos berços estava um bebé, uma menina, que faleceu junto da mãe e de mim. Eu vi o desespero daquela mãe. Poucas horas depois, também faleceu um rapaz no mesmo quarto. Chorei tanto.

 Tinha medo, um medo terrível de ser eu a receber aquela notícia. Apenas restou o Leu naquele quarto frio. Que tortura vivi. Dia a dia via mais a aflição dos médicos que não sabiam o que fazer, porque toda a medicação dada o Leu era rejeitada pelo organismo. A situação piorava. O Dr. António apenas olhava para ele e um dia disse-me:

 “Mãe, ajude-me, já não sei o que fazer! Sou apenas um médico, não sou Deus!”

Vi uma expressão de angústia. A situação era mesmo grave Então se um médico, que passa a vida a estudar a adquirir conhecimentos, estava dentro de um Hospital reconhecido, como o melhor para crianças não sabia o que fazer, imaginem eu! Chorei com tanta dor, Deus queria levar o meu anjo. Houve um dia, já não sei qual, porque cheguei a uma altura que já não sabia se era de dia ou noite, que vi morte do Leu...

 

Estava sentada numa cadeira de plástico cor-de-laranja, junto da cama, lembro-me como se fosse hoje, estava a fazer-lhe festas num perna, quando vi o médico chegar perto, com as mãos atrás das costas, com um ar triste, apático, até. Disse, “

Mãe venha! Vamos falar!” Fui com ele para uma sala, tinha uns sofás de descanso, uma máquina de café e uma mesa no meio. Ele começou a falar. “Mãe há perguntas que faz para as quais não tenho respostas, queria muito tê-las para dar, mas não tenho.” “Sabe, desde o princípio, que a situação do menino é muito complicada. Ora bem, só tenho de pedir que tenha calma e espere por respostas que eu não tenho.” “Já fizemos todos os exames possíveis e imaginários, análises que enviamos para o estrangeiro, mandei um pedaço do tecido renal para se fazer um exame laboratorial, mas não tenho ainda respostas a nada.” “O organismo não está a revelar nada e não aceita nada. O sangue do menino coagula durante a hemodiálise, como médico só vejo uma solução. Aceita que se façam testes ao seu filho mais velho para se fazer um transplante renal?” Mas tenha noção que o mais velho também ficará com algumas restrições na vida.”Eu respondi lavada em lágrimas: “Dr. não é justo pôr o Lucas a passar por isso. Eu posso fazer os exames e o pai também? Tem de haver outra solução!!!” Ele respondeu: “Mãe, a situação é grave, não se pode estar à espera que o banco de doadores diga que encontrou um rim compatível com o do Leu, isso pode levar meses, anos e nós estamos numa corrida contra o relógio.”

 

 

Saí daquela sala completamente de rastos. Olhei para o Leu e encontrei uma solução, engravidar de propósito. Com o sangue do cordão umbilical em laboratório fariam a multiplicação das células que eram necessárias para salvar o Leu. Por amor a um filho, ponho outro no mundo e seria amado, porque afinal esse bebé seria um salvador. Falei com o médico e ele disse o que podia-se tentar essa ideia. Passou um dia ou dois e a situação do Leu foi piorando a olhos vistos. Já nem o meu marido conseguia estar no quarto ao ver aquele estado vegetativo do Leu. Eu já não tinha lágrimas, nem revolta para demonstrar, nem os médicos palavras de conforto para me dar. Até que chegou o dia que eu não queria. Chegou o dia da verdade. O meu “marido” tinha acabado de ir visitar o filho, já ia no comboio de volta para casa. Já eu estava, de novo junto da cama do meu filho, quando vejo o Dr. António chegar perto da máquina da hemodiálise, com um ar muito triste, com os olhos vazios e de mãos atrás das costas.

“Mãe, tenho uma notícia que vai requerer muito a sua atenção e calma! Não há nada a fazer! Eu como médico, perdi as esperanças, não sei o que fazer! Mas...” Percebi o que estava a tentar dizer-me por meias palavras e por meios olhares, mas não me tinha dito as palavras duras, o Dr. Por palavras meigas acabou por me dizer que iam desligar a máquina ventiladora, a máquina que suportava os meios vitais do meu filho!

 Mas para isso acontecer, eu e o meu marido tínhamos de assinar um termo de responsabilidade, porque assim exige a lei. Ou seja, que em caso de menores os responsáveis pela criança assinem esse documento, assinem a certidão de óbito de um filho. Ao ouvir tudo aquilo eu gritei alto, esquecendo que ali naquela unidade não se podia fazer barulho: “Não autorizo. Não deixo. Não, não...” Saí dali a corre com a toca, a bata e os sacos a envolver os pés e fui telefonar para o meu “ marido”. Ele voltou de novo para junto de mim e do filho! Encontrou-me lavada em lágrimas, revoltada e com medo.

Se antes já não dormia, então a partir daquele dia, nem fechava os olhos com medos que desligassem as máquinas sem me aperceber. O meu “ marido” e eu fomos de novo falar com o médico. A conversa decorreu junto a uma porta de vidro, de onde observava o meu filho. O meu marido também não concordou em assinar qualquer documento. Disse ao Dr:

“Dr. nem que o meu filho esteja naquele estado vegetativo até à maioridade, ai pode fazer o que quiser, porque ele já é maior de idade, até lá mando eu”

O Dr., com os olhos cheios de lágrimas, respondeu: “Mas, pai, isso só causa sofrimento a ele, à família e aos médicos, pense bem.” Esta conversa a decorrer e, no quarto em frente, morria uma bebé de 3 meses, que se chamava Matilde. No minuto em que chorava para salvar o Leu e manter a ventilação, ouvia os gritos de desespero de uma mãe que acabou de perder uma filha.

um sorriso forçado

Saí dali a correr, tranquei-me numa casa de banho minúscula, de paredes brancas, tinha apenas um lava mãos, um chuveiro e um cortinado azul. Sentei-me no chão, bati, sucessivamente, com a cabeça na parede, gritei por Deus, por Nossa Sr.ª de Fátima, por Nossa Sr.ª do Almortão (esta santa é de Castelo Branco), chamei pelos anjos e até a minha alma vendi ao Diabo, em troca da vida do meu filho.

Estive nessa casa de banho uma hora e pouco. Sei que chorei tudo. Revoltei-me contra tudo e todos. Jurei a mim mesma que ia ajudar o meu filho. Voltei para perto do meu “marido”e do médico e disse com todas as minhas certezas: “Dr. não desligue as máquinas, o Leu vai acordar. Eu tenho a certeza. Você e médico e eu, sou mãe!” O médico, respondeu... “Obrigado pelo voto de confiança.” “Os médicos neste hospital não são máquinas, somos seres humanos e, às vezes, falta-nos as forças.” Fui para junto do meu filho, fiz-lhe festas numa perna e na face, acarinhei-o e prometi-lhe que o iria proteger.

a minha fé

Tudo isto numa quarta-feira - que nunca esquecerei! Tive um abalo psicológico e emocional muito profundo. Nesse dia talvez tenha acabado de fazer a minha construção como mãe e percebi que, ser mãe, vai muito para além de criar, educar, vestir, proteger,… A quinta-feira decorreu sem sobressaltos, nem respostas às minhas perguntas. Na sexta-feira aconteceu o inesperado. Ainda estava o dia a nascer, os raios de sol a entrar pelas persianas entreabertas, quando Deus ou seja lá o que for iluminou aquele quarto. Estava sentada na poltrona castanha, com a mão na perna do meu filho, quando alguma coisa, no meu interior, me fez abrir os olhos e olhar para o meu filho. Ele tinha os olhinhos abertos.

Estava acordado a olhar-me e disse ainda com o tubo colado à frase:

“Mãe!”

 Levantei-me eufórica e fui para chamar o medico, já ele estava a porta do quarto. Eu vi aquele médico a chorar de alegria, de emoção. E disse: “Mãe, seja qual tenha sido o anjo a quem pediu pelo seu filho, agradeça, porque está aqui um milagre!” A máquina da hemodiálise foi desligada nos minutos seguintes e vi entrar um carrinho de ferro com rodinhas que era a máquina de fazer ecografias renais e depois a máquina para medir a tensão. Foram feitas novas análises, tudo isto, em minutos.

 

O Leu pediu água. Eu estava tão contente e feliz, que os momentos de aflição estavam a dispersar do meu corpo, da minha alma. Falei com o meu “marido” que não levou uma hora a chegar ao pé de nós. Até ele chorou de emoção. Aqueles quinze dias de sacrilégio de dor e mágoa estavam a chegar o fim. A máquina da hemodiálise já não foi ligada, pois os exames não apresentavam nada de preocupante, apenas o rim esquerdo estava a trabalhar muito devagar e com o auxílio de medicação suplementar, para ajudar ao seu funcionamento.

O Leu ainda estava ligado a 7 ou 8 seringas, com finos fios que entravam pelos braços até chegar às veias e os cateteres para o organismo receber a medicação administrada em pequenas doses. Para satisfação dos médicos e minha, o Leu começou a comer em pequenas porções. O meu filho já estava preparado para passar para a enfermaria 2. Essa enfermaria destina-se a crianças que sofrem de problemas renais e transplantes de órgãos. É onde se encontra uma sala própria para crianças que fazem sessões de hemodiálise diárias. Então, o Leu, para satisfação de todos, foi colocado numa maca e levado para essa enfermaria. Essa tarde também ficará na minha memória, porque foi o fim de um sofrimento e o começo da esperança para o meu filho. No dia da transferência o Dr. referiu: “É uma bênção para nós médicos e uma alegria quando isto acontece.” “Aqui esta unidade é o inferno. Aqui espera-se pela morte e para nós médicos é um louvor ver uma criança a sair daqui com vida.” Eu confirmo estas palavras, porque vivi nesse inferno. Assisti a gritos, dor e mágoa. Vi bebés a morre, assisti à dor de mães que perdem filhos, ao choro de médicos, ao desespero! Bem, o Leu lá foi para o quarto, onde as paredes tinham desenhos do Mikey, da Mini, do Pateta e ursos.

 

 

um sorriso de vitoria

Havia duas camas, uma janela, uma televisão e DVD, pregados na parede num suporte, um lavatório e um armário para colocar os objectos pessoais. O Leu ficou na cama ao pé da janela ligado a um aparelho que lhe ministrava soro e medicação por método venoso. Ficou a usar fraldas e tinha cateteres colocados, um que dava acesso ao coração a uma artéria e outro na virilha, perto dos testículos. Só ficaram esses tubos vedados, por precaução, não fosse ele ter uma recaída e ter de ser, novamente, medicado. Ele nessa enfermaria já tinha outro olhar, um sorriso espontâneo e eu andava mais descansada, afinal já estava tudo a ser recomposto e a saúde dele a recuperar. Foi nessa enfermaria que uma médica, a Dr.ª Margarida, me informou que o Leu tinha um quisto na barriga, localizado no umbigo, e que talvez fosse a razão porque o organismo não aceitava nenhuma medicação, no princípio. Entretanto, o Leu, fez várias ecografias renais e a situação renal estava a estabilizar.

 

a nota da alta

Foi nesse hospital que ele viu uma coisa muito engraçada “Os Narizes Vermelhos.” Os palhaços que dão alegria e ânimo às crianças que lá estão. E eu, como mãe e ser humano, conheci uma equipa médica que, depois das horas de trabalho, se veste de palhaços, por gosto, para dar alegria às crianças. Já tinha ouvido falar, mas ver e conhecer é muito diferente, até porque, para mim, é uma atitude louvável e um acto de coragem, esses médicos que vêm as crianças chorarem de dor e angústia, tentam levar um pouco de alegria e amor.

 

umaacção de louvar

Passados alguns dias vim para casa com o meu filho a andar pelo seu próprio pé. O filho que levei muito doente estava meio recuperado, sobe medicação intensiva para ajudar ao funcionamento renal, é verdade, mas estava de novo comigo em casa. Eu estava satisfeita comigo mesma, porque não referi, mas estivemos um mês completo naquele hospital em Lisboa, sem virmos a casa e eu tinha em casa o meu filho mais velho, mas tive de dar toda atenção ao Leu, não por opção, mas obrigação, tive de pôr o Lucas de parte, agora tinha de ter uma longa conversa com ele e explicar-lhe tudo. As consultas regulares ao hospital e as análises continuaram sucessivamente, semana após semana, até o dia 31 de Dezembro. O dia em que voltamos, eu e o Leu, ao hospital para ser internado para tirar o tal quisto que tinha no organismo, há três anos e meio.

 

Bem, mais dor, choro e angustia. Voltei a ver o Leu a ser anestesiado, a ser operado, a acordar da anestesia, a ter dores e a querer andar e não puder. Mas sou sincera, como já tinha passado por muito pior, daquela vez soube ajudar o meu filho, a dar-lhe a calma que ele precisava para suportar melhor todas as proibições que tinha de passar. Passado isto, volta para casa. Hoje, o Leu é uma criança estável, já não toma medicamentos para os rins, apesar de continuar inscrito no banco de doadores, não vá necessitar, e as consultas sucessivas para observação, acalmaram.

carta da alta a operaçao do quisto

 

 

 

 O problema do rim está estável. Mas tudo na vida tem um senão.

 

O Leu, com 7 anos é hiperactivo, ou seja, é uma criança com excesso de energia e que pode tender para a agressividade. Não pára de manhã à noite, quando não é noite dentro. Corre, salta, grita e faz birras enormes. Põe-me de cabelos em pé!

Também é surdo desde que nasceu, mas só na consulta da médica de família, aquela consulta feita antes da entrada para a escola primária, é que se descobriu. Usa uma prótese auditiva que, com muita discussão e insistência, consegui obter através do Hospital Distrital de Santarém. A Direcção do hospital não lhe a queriam, pagar por ter um preço excessivo. Vi-me obrigada a confrontar a mesma que levava o caso para os meios de comunicação. Por essa razão é que o Leu recebeu o aparelho auditivo num curto espaço de tempo. Sim, é verdade, mas o nosso sistema de saúde é assim, é preciso ameaçar ou barafustar para termos bons resultados, ainda para mais tratando-se de um menor.

 

o aparelho auditivo

Bem, com este relato quis mostrar que aprendi muito nesta época da minha vida. Aprendi a ser outra pessoa e a olhar para os outros cidadãos com outros olhos. Aprendi o que é ter calma e saber esperar por respostas. Aprendi a amar com outro gosto. Aprendi que nunca posso me queixar das dificuldades e obstáculos da vida, porque há sempre alguém bem pior que eu. Aprendi que os obstáculos da vida aparecem para os ultrapassarmos, e não baixar os braços. Conheci médicos, enfermeiros e auxiliares que dão o melhor de si pelas crianças que vão conhecendo. Infelizmente, conheci um hospital bem estruturado a todos os níveis. Comecei a dar valor a coisas que antes achava insignificantes.

 

Mas, o mais importante de tudo foi que aprendi uma coisa com uma criança: aprendi o significado da palavra AMOR e que um sorriso de um filho é uma dádiva dos céus. Tive uma grande lição de vida!!!!!

FOI O MEU FILHO LEONARDO ALEXANDRE CANIÇO ROQUE QUEM A DEU. ELE SIM E UM LUTADOR!!!!!