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8) O SOFRIMENTO
8) O SOFRIMENTO

Aos 8 ou 9 anos conheci o sofrimento. Lágrimas e gemidos. Memórias que não esqueço, e fazem parte de mim. Com essa idade, em pleno Verão, estava numa festa infantil, no aniversário de uma amiguinha de escola, com muitas crianças, balões, gelatinas, doces vários palhaços e um grande bolo de aniversário. Uns corriam, outros jogavam à bola, à apanhada, às escondidas…

 Chegou a noite. Lembro-me de vir na rua e pôr as mãos no gradeamento que protegia as escadas que dava aceso ao rés-do-chão no pátio e a garagem. Esse gradeamento, de cor verde, não me protegeu a mim, pois soltou-se e vim por ali a baixo agarrada a ele como se tentasse voar. Lembro-me de gritar e sentir medo, um frio que me atingi todo o corpo. Não atribuo culpas a ninguém pela queda, porque penso que o destino já estava traçado.

 Mas, por outro lado, penso que os donos desta casa deveriam ter mais atenção, já não digo por irem realizar uma festa para crianças, mas também porque lá moravam. Como aconteceu comigo poderia acontecer com a minha amiguinha. Hoje ao lembraram-me deste episodio penso:

 “Porque me agarrei eu aquele gradeamento?” “Porque é que os donos da casa não aparafusaram o gradeamento?”

 São perguntas que continuam sem respostas, mas espero que tenham aprendido que devemos ter muita atenção a tudo, especialmente se tivermos crianças em casa. Os responsáveis devem ter atenção às portas, janelas, gradeamentos e trancas automáticas. Por vezes os acidentes com os menores acontecem por desleixo, ou por irresponsabilidades dos responsáveis. Acidentes como o que me aconteceu a mim. Aquela queda de breves momentos pareceu uma eternidade.

 O meu corpo caiu no cimento frio. Fiquei imobilizada, inconsciente, até chegar ajuda. Durante 2 a 3 semanas estive em coma.

Todos os meus ferimentos estavam localizados na cabeça. O meu rosto estava desfigurado, a boca ferida, os dentes a balançarem, as gengivas cortadas e tinha um traumatismo craniano.

Uma criança cheia de vida como eu, estava agora deitada numa cama. Levei algum tempo a recuperar. Tive de reaprender a andar. Durante alguma messe só podia beber líquidos por palhinha, porque a minha dentição não permitia a mastigação. Mas recuperei com apenas uma pequena marca ao canto do olho direito resta. Essa marca e as minhas memórias não me deixam esquecer.

  Por volta dos 10, ainda não estava totalmente recuperada da tentativa de voar sem asas, cai numa frigideira de óleo a ferver, que estava na lareira a fritar carapaus pequenos (petingas).

Como criança sonhadora, irreverente e curiosa, pus-me a brincar aos espectáculos e cai para trás. O lado direito do meu corpo caiu em cima da frigideira, tendo 60% ficado queimado. Tentei levantar-me e acabei sentada na trepe que estava a ferver.

 

 

 

esta imagem retrata mais ou menos o que passei

 

Os ferros que a compõem estavam vermelhos de tão quentes. Entre gritos de aflição, a minha mãe levantou-me e despejou um garrafão de vinho branco em cima para tentar acalmar o ardor. Como não resultou pôs-me debaixo da água fria, tanto que eu gritei com dores e as lágrimas corriam pelo meu rosto.

 

o vinho branco que serviu para me ajudar

 

Levei, novamente, messes a recuperar. O meu corpo ganhou bolhas enormes que deitavam um líquido pegajoso. As mesmas foram rebentadas, uma a uma, no hospital com uma lâmina muito fina. Cada bolha que rebentava era um grito de dor e um desmaio. Todo o meu corpo foi envolvido em ligaduras para me proteger das bactérias. Houve uma altura em que os médicos queriam fazer cirurgias de reconstrução. Queriam fazer enxertos de pele e carne.

 Graças à minha força e vontade de vencer, não foi necessário. Apenas restam duas pequenas marcas, estando a cor de pele mais escura. Estes episódios da minha infância fizeram-me ver coisas nunca vistas.

Posso dizer que, apercebi-me que são nas alturas más da nossa vida que precisamos de mais apoio e que nunca sabemos o dia de amanhã. E talvez hoje, passados tantos anos digo que sou saudável.

Saudável porque com estes episódios poderia ter ficado com marcas irreversíveis ao nível físico e com traumas psicológicos. Mas não, fizeram-me ganhar mais força para lutar contra os obstáculos.